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Estados Unidos. Trump continua em guerra com a China e dá golpe de morte na Huawei

A Google acatou a ordem de Trump e os novos dispositivos Huawei deixarão de ter acesso ao Android.

Os Estados Unidos apertaram o cerco à Huawei, o gigante chinês de telecomunicações, que acusam de roubo de propriedade intelectual e de funcionar como fachada para a espionagem de Pequim. Depois de Washington apelar aos países seus aliados para não deixarem a Huawei participar na implementação das novas redes 5G (ver texto ao lado), esta sexta-feira, o Executivo de Donald Trump subiu a parada, colocando o gigante chinês na lista negra de empresas que minam a segurança nacional e os interesses dos EUA. A Huawei ficou assim proibida de aceder a produtos norte-americanos sem autorização governamental – algo improvável perante a atual guerra comercial entre a China e os Estados Unidos. Vários fornecedores de software e de componentes eletrónicos já anunciaram que não trabalharão mais com a empresa chinesa, incluindo a Google – restringindo o acesso de aparelhos móveis Huawei ao sistema operativo que utilizam, o Android, da Google.

“Estamos a cumprir a ordem e a rever as suas implicações”, anunciou um porta-voz da Google esta segunda-feira. Apesar de assegurar que “o Google Play e o Google Play Protect continuarão a funcionar nos dispositivos Huawei existentes”, o porta-voz salienta que os novos aparelhos só poderão utilizar a versão pública do Android, perdendo acesso a aplicações populares como o YouTube, o Google Maps e o Gmail. A Huawei chegou a ser uma das poucas empresas de hardware em todo o mundo a ter acesso antecipado às últimas atualizações do Android e de várias aplicações da Google.

Embora a Huawei disponha de aplicações alternativas no mercado chinês, como a WeChat e o Baidu Maps – dado muitos dos produtos da Google serem proibidos na China –, a decisão do Executivo norte-americano pode causar graves estragos nas vendas da Huawei para o estrangeiro, dificultando o seu objetivo de ultrapassar a Samsung como maior vendedor de dispositivos móveis do mundo até 2020. Só em 2018, a empresa teve uma receita de quase 45 mil milhões de euros em aparelhos como smartphones, portáteis, tablets e smartwatches – produtos responsáveis por mais de 45% das suas receitas globais.

Teoricamente, a Huawei pode tentar manter o interesse dos seus consumidores no estrangeiro apostando no preço e na inovação do seu hardware. Mas caso estes queiram usar aplicações Google, terão de as instalar depois de comprar o aparelho – algo que poderá envolver custos ou ser desafiante para o utilizador casual. Além disso, muitas aplicações de serviços, como entrega de comida ou aluguer de bicicletas, por exemplo, funcionam com base em aplicações da Google e poderão deixar de ser compatíveis com aparelhos Huawei.

Apesar dos elevados custos a curto prazo para a Huawei, a manobra do Executivo norte-americano pode acabar por incentivar as empresas de smartphones a desenvolver sistemas operativos e aplicações próprias – sobretudo num momento em que a Google está a tentar entrar no mercado com a sua própria marca de smartphones, os Pixel. Já há muito que a Huawei previa a possibilidade de ser apanhada no fogo cruzado da guerra comercial entre Washington e Pequim, tendo começado a preparar o seu próprio sistema operativo há pelo menos três anos. “A Huawei tem estado a construir um sistema operativo alternativo para o caso de ser necessário”, afirmou o porta-voz da empresa chinesa, Glenn Schloss, acrescentando: “Gostaríamos de poder continuar no ecossistema da Microsoft e da Google”. Os portáteis e tablets da Huawei funcionam à base de software da Microsoft, que ainda não reagiu à proibição do Governo norte-americano.

Mas o gigante chinês das telecomunicações não perdeu apenas acesso a software norte-americano. A Intel – o maior fornecedor de chips para servidores – já alinhou com a proibição, bem como a Qualcomm, responsável por processadores e modems para smartphones. A Xilinx e a Broadcom – produtores de chips programáveis utilizados por aplicações em rede – também não irão fornecer mais material à Huawei, que compra mais de 60 mil milhões de euros em componentes eletrónicos por ano.

A tentativa de Trump para asfixiar a Huawei poderá ter efeitos secundários, causando grandes perdas aos fabricantes dos componentes eletrónicos dos Estados Unidos. Para além de fortalecer os laços comerciais entre o gigante chinês e os seus fornecedores europeus, que passam a ser uma alternativa ao mercado norte-americano, como é o caso da empresa alemã Infineon e da austríaca AMS – que já afirmaram que continuarão a fornecer a Huawei. Prevendo esta situação, desde 2018 que a empresa chinesa tenta desenvolver os seus próprios componentes, recorrendo a acumular chips e outras peças mais especializadas quando não o consegue fazer. Estima-se que, de momento, a Huawei tenha materiais suficientes para continuar no mercado durante cerca de três meses – arriscando ficar refém das negociações entre Washington e Pequim a partir daí.

Contudo, não parece haver fim à vista para o conflito. Recorde-se que há muito que Trump é profundamente crítico da política comercial chinesa, que foi um tópico constante da sua campanha eleitoral, em 2016. Ainda a semana passada, Trump impôs tarifas de até 25% em cerca de 200 mil milhões de dólares (179,2 mil milhões de euros) de produtos chineses – uma quantia superior ao total de cerca de 120 mil milhões de euros em produtos norte-americanos exportados para a China e que Pequim pode taxar. Mas apesar da disparidade de poder financeiro e da urgência da Huawei – que arrisca perder boa parte da sua quota de mercado –, o Governo chinês parece estar a preparar-se para um conflito prolongado, com uma escalada no discurso bélico em todos os meios de comunicação estatais. Aliás, o Presidente chinês, Xi Jinping, tem ilustrado a determinação chinesa com referências à Longa Marcha – uma das batalhas mais bem-sucedidas do Partido Comunista Chinês, que venceu depois de muitos sacrifícios.

Vários analistas recordam que apesar do impacto a curto prazo da guerra comercial recair sobretudo na China, o preço final das tarifas acabará por se repercutir, em parte, nos consumidores norte- -americanos, sobretudo nos bens mais baratos, consumidos pelos agregados familiares mais pobres – algo que poderá ter elevados custos políticos para Trump. Embora a dureza do Presidente dos EUA quanto ao assunto seja popular por agora – com 62% dos norte-americanos a concordar que o comércio com a China é injusto, segundo sondagens da Gallup –, a perceção do eleitorado poderá mudar quando sentir o custo da guerra comercial no seu bolso.

O futuro das telecomunicações transformou-se num campo de batalha

 Há meses que a Huawei está sob escrutínio de Washington, pelos seus laços próximos com o Governo chinês, citando o passado militar do seu diretor-geral, Ren Zhengfei, explicitando receios que nenhuma empresa chinesa seja completamente independente de Pequim. “Companhias de telecomunicações chinesas como a Huawei servem efetivamente para recolha de informações por parte do Partido Comunista Chinês”, acusou o senador republicano Tom Cotton, refletindo a preocupação de muitos dos seus colegas. 

Entretanto, a administração de Donald Trump tem-se desdobrado em apelos aos seus aliados para que não aceitem a colaboração da Huawei na construção das novas redes 5G, a espinha dorsal das futuras tecnologias de comunicação, permitindo uma maior integração de dispositivos online e um muito mais rápido fluxo de informação – tornando possível fazer download de um filme completo em HD em segundos. O argumento de Washington para afastar a Huawei do processo é o suposto receio que a imprensa chinesa crie backdoors nessas redes – ou seja, fragilidades propositadas, construídas para facilitar espionagem futura. 

Apesar da Austrália e da Nova Zelândia terem alinhado com os EUA, até agora a maioria dos países europeus, incluindo Portugal, recusou proibir a Huawei sem provas concretas de que esta participe em espionagem. Ainda em março António Costa afirmou que “não há nenhum motivo para excluir a Huawei do mercado”, acusando os Estados Unidos de “a pretexto da segurança” querer introduzir “mecanismos de protecionismo que desfavorecem as condições de contratação”. “A Europa não se reforçará se adotar uma atitude protecionista”, rematou o primeiro-ministro português.  

Questionada sobre o assunto pelo i, a NOS relembra: “A Huawei, líder mundial do setor, é um dos fornecedores de referência com o qual a NOS trabalha no desenvolvimento de alguns dos domínios tecnológicos da rede da NOS, mas não é o único.” A operadora de telecomunicações assegura: “Importa realçar que a NOS leva a cabo uma rigorosa avaliação de risco e, até ao momento, não tem qualquer evidência de um risco real de segurança nacional. Por outro lado, os domínios tecnológicos em que a Huawei é nosso fornecedor são de elevado nível de imunidade e protegidos quanto a falhas de segurança”. Por outro lado, a Vodafone respondeu ao i que “nada tem a acrescentar ao que já foi dito publicamente”, salientando: “O parceiro tecnológico preferencial da Vodafone é a Ericsson”. Já a Altice não respondeu às nossas questões a tempo do fecho desta edição. J.C.R

Origem
Jornal i
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