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Complexo de Napoleão: a altura importa?

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Importa, claro que sim. Importa a altura e outros complexos de inferioridade que nos fazem sentir inseguros por alguma razão, ainda que mais ninguém lhes ligue a não sermos nós. Por mais que se tenha tirado o homem das cavernas, parece que ainda há algumas cavernas de que fica difícil tirar do homem.

Texto Ana Pago | Fotografia D.R.

Dizer que piadas sobre a altura o afetam seria um exagero, mas a verdade é que Hugo Melo também não morre de amores por elas. «Ter 1,65 metros não define quem sou, no entanto parece que é só isso que veem em mim», desabafa o comercial de 37 anos, agastado com o preconceito.

Moreno, bonito, musculado na dose certa, de olhos negros e sorriso atraente, a baixa estatura nunca o impediu do que quer que fosse, incluindo ter êxito com as mulheres. Por isso, sim: fica doido quando alguém o olha de lado, sobretudo outros homens.

E, sim, compensa com uns ombros e bíceps esculturais o que lhe falta em altura. «Também prefiro carros grandes e miúdas pequenas, mas é uma questão de gosto. Esse tal complexo de Napoleão não é para aqui chamado.»

O complexo de Napoleão deve a sua designação ao imperador francês Napoleão Bonaparte, que se terá tornado obcecado pelo poder para compensar a baixa estatura.

Talvez não o seja de forma consciente. Ainda assim, alguns sinais manifestos – os olhares de terceiros, o desconforto diante deles, as inclinações pessoais – parecem enquadrar-se naquilo a que a psicologia chama de complexo de Napoleão, numa alusão ao imperador francês Napoleão Bonaparte, que se terá tornado obcecado pelo poder para compensar a baixa estatura.

«Na origem deste complexo encontramos o sentimento de que alguma coisa está errada em nós. Uma ideia que vem muitas vezes da infância, do modo como reagimos aos acontecimentos e do que nos vão dizendo», adianta o psicoterapeuta Vítor Rodrigues, especialista em gestão do stress e das emoções.

Há quem use o termo para designar um complexo de inferioridade que, supostamente, afeta a generalidade dos homens baixos. Outros aplicam-na à tendência que algumas pessoas têm de compensar um dado ponto fraco tornando-se notáveis noutras áreas da sua vida.

«Qualquer pessoa, homem ou mulher, pode ser afetada pelo complexo de Napoleão, seja numa vertente de autoimagem ou outra», diz Filipa Jardim da Silva.

«É como se tentassem “tapar” o defeito físico, intelectual, emocional ou moral que atribuem a si mesmas», explica Vítor Rodrigues, para quem a variante da compensação faz mais sentido. «Repare-se como as crianças, que se sentem facilmente desamparadas ou pequeninas, gostam de desempenhar o papel de monstros por ajudá-las a sentir que têm, afinal, algum poder sobre o que temem.»

E aqui a altura é apenas uma das várias dimensões deste complexo de inferioridade, realça a psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva, lembrando que foi o psicólogo austríaco Alfred Adler o primeiro a sugerir que os miúdos se sentem, de facto, inferiores quando rodeados de adultos mais altos e capazes do que eles, embora nem todos desenvolvam disfunções.

«Qualquer pessoa, homem ou mulher, pode ser afetada pelo complexo de Napoleão, seja numa vertente de autoimagem ou outra.» A verdade é que não existem regras absolutas nesta questão do complexo de inferioridade.

«Ainda que cada vez mais se consiga encontrar exemplos que desafiem as convenções tradicionais, os estereótipos e os padrões de perfeição são uma questão real.»

Qualquer que seja a altura, a forma física ou a cultura que temos, o tipo de inteligência, o estado civil, o grupo de amigos, o trabalho, a remuneração, a naturalidade e a zona de residência, haverá sempre aspetos que não iremos apreciar tanto e que, em alguns contextos, vão alimentar a tal perceção de insegurança.

«Até podemos ser só nós a encará-los de forma negativa, mais ninguém. No entanto, essa autoavaliação afeta a autoestima, que por sua vez interfere com o modo como nos relacionamos com os outros e a postura que adotamos no dia-a-dia», esclarece a psicóloga clínica.

E claro, diz, se nuns casos isso se traduz em maior dedicação para provar ou afirmar valor, é natural que noutras estruturas de personalidade possa remeter para um acréscimo de ciúmes ou agressividade.

«Ainda que cada vez mais se consiga encontrar exemplos que desafiem as convenções tradicionais – mulheres baixas que se tornam modelos de sucesso, homens baixos que alcançam posições de grande notoriedade e poder –, os estereótipos e os padrões de perfeição são uma questão real.»

Há um conjunto de ideias predefinidas acerca do que é belo, símbolo de inteligência ou status social que persistem ao longo do tempo – e nós, seres de hábitos, temos dificuldade em largá-los.

Uma pesquisa do especialista em comportamento John Cawley, professor da Universidade Cornell, em Nova Iorque, concluiu que rapazes e raparigas altos têm mais encontros e contactos amorosos do que os baixos, ainda que tal não afete a frequência da atividade sexual.

Um estudo da Universidade de Exeter concluiu que homens altos ganham mais do que os baixos na mesma profissão, independentemente das suas capacidades ou educação.

Outra investigação da Universidade de Utah, EUA, apurou que essa preferência se deve ao facto de associarmos portes altos a uma maior capacidade de proteger a família e pôr comida na mesa. Por sorte, saímos há muito das cavernas e não só valorizamos outros atributos, como a bondade, a comunicação ou o humor, como a ciência tem vindo a rebater uma série desses clichés.

Em 2007, um estudo da Universidade de Lancashire Central, Reino Unido, deitou por terra a teoria de que os baixinhos seriam mais agressivos como forma de dominarem os altos: numa luta envolvendo dez homens com menos de 1,67 metros, e outros dez a rondar o metro e oitenta, em que uns provocavam os outros com bastões, monitores cardíacos revelaram que eram os altos quem primeiro perdia a paciência.

Ainda no Reino Unido, pesquisas do professor de Genética Tim Frayling, da Universidade de Exeter, concluíram que homens altos ganham mais do que os baixos na mesma profissão, independentemente das suas capacidades ou educação.

«Homens e mulheres precisam urgentemente de educação emocional, estética, ética, De considerar as diferenças como riquezas», diz a psicóloga Filipa Silva.

Mais longe foram Abigail Weitzman e Dalton Conley, sociólogos da Universidade de Nova Iorque, ao descobrirem que os baixinhos são parceiros ideais: apesar de menos propensos a casarem-se – não são, afinal, os preferidos das mulheres –, dão os maridos mais fiéis quando o fazem, deixam-nas mais felizes, divorciam-se menos e colaboram mais nas tarefas domésticas (tudo notícias que abonam a favor de Hugo Melo).

Por outro lado, o psicólogo britânico Lance Workman, professor da Universidade do Sul de Gales, garante que um traço comprovadamente associado aos homens baixos é o ciúme quando veem a parceira conversar com outras pessoas.

E que dizer de um estudo do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA, segundo o qual homens que se sentem menos masculinos, seja por que razões for, têm três vezes mais probabilidades de cometerem atos de violência?

«Apenas que nada disto pode ser reduzido a um sexo, uma faixa etária particular ou determinadas características físicas», sublinha Filipa Jardim da Silva. Vítor Rodrigues concorda que, mais do que melhorar a educação de género, a tónica tem de estar na educação de seres humanos.

«Homens e mulheres precisam urgentemente de educação emocional, estética, ética. De considerar as diferenças como riqueza, em vez de se insistir numa sociedade medíocre e normalizadora», diz. Ninguém se mede aos palmos.

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