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SNS. Quase 2 milhões de idas desnecessárias às urgências até setembro

Percentagem de doentes triados com pulseiras brancas, azuis e verdes nas urgências do SNS continua sem baixar. Hospitais de Lisboa, onde faltam mais médicos de família, têm os piores indicadores

O combate às “falsas urgências” é antigo e ganha peso nesta altura do ano, em que frio e infeções respiratórias aumentam a pressão sobre os serviços e as autoridades alertam que idas evitáveis aos hospitais podem contribuir para demorar a resposta. Apesar da preocupação, o cenário tem mudado pouco. Entre janeiro e setembro de 2018, os últimos dados disponíveis, houve 1.988.300 idas “desnecessárias” às urgências no SNS, mais 72 mil do que no mesmo período do ano anterior.

Os dados são da Administração Central do Sistema de Saúde. Entre janeiro e setembro, 41,6% dos doentes atendidos nas urgências do SNS receberam pulseiras verdes, azuis ou brancas, uma subida face aos 41,1% de 2017. A diferença torna-se maior porque em 2018, pelo menos até setembro, aumentou a ida às urgências no geral, com mais 119.170 atendimentos.

Segundo os mesmos dados, que o i analisou, os hospitais do Centro e do Norte são os que têm menor percentagem de pulseiras brancas, verdes e azuis e Lisboa a região que regista mais atendimentos desta natureza. O Hospital Garcia da Orta, em Almada, lidera a tabela, com 57,7% dos doentes atendidos nas urgências triados com pulseiras de menor gravidade clínica. Segue-se o Amadora-Sintra, onde 56,6% dos casos teriam dispensado a ida ao hospital.

Porque é que os números não baixam? Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, sublinha que a primeira explicação tem a ver com a cobertura dos cuidados primários. “Apesar de ter havido melhorias nos últimos anos, sabemos que os locais onde faltam médicos de família vão estar associados a maior recurso aos hospitais”, diz o médico, recuperando um estudo recente da associação que ajuda a explicar o congestionamento em Lisboa e periferia. “Fomos analisar as unidades de saúde com mais de 30% da população sem médico de família atribuído e encontrámos 82, cerca de 10% das cerca de 800 que existem no país. Destas, 71 são na região de Lisboa e Vale do Tejo”, diz Nogueira.  

550 mil sem médico em Lisboa Os últimos dados da tutela confirmam: no final de 2018 havia 684 mil utentes sem médico, dos quais 550 mil na região de Lisboa. No Norte, onde o número de inscritos nos centros de saúde é idêntico ao de Lisboa (3,7 milhões de pessoas), já só 34 mil não têm médico atribuído. “Não há mais médicos porque durante anos houve ausência de planeamento e agora têm sido contratados os que se formam, mas leva tempo a corrigir”, diz Rui Nogueira, que acredita que o problema das urgências tem depois a ver com comportamentos que importa mudar. “Por vezes as pessoas vão a uma urgência quando andavam com tosse há dez dias. Teria sido possível uma consulta no centro de saúde”, exemplifica.

Nos últimos anos, foram implementadas medidas para diminuir o fenómeno, como a isenção de taxas moderadoras para quem se desloque ao hospital só depois de ser encaminhado pelo médico de família ou pela linha Saúde 24. Já na região Norte começou um projeto-piloto para enviar doentes das urgências para os centros de saúde, marcando consultas para o dia. Em Barcelos e na Póvoa de Varzim, a taxa de falsas urgências já começou a descer. No Hospital de Santa Maria Maior, em Barcelos, até setembro baixou de 51,5% para 48,8%. Na Póvoa de Varzim, em setembro verificava-se uma queda de 57% para 53%. O i tentou perceber se o projeto será alargado este ano, aguardando resposta da tutela.

Para Rui Nogueira, mais do que recusar doentes nas urgências, a estratégia deve passar por levar as pessoas a optar pelo circuito adequado e reforçar os serviços. “À exceção de acidentes e emergências, devem perceber que ir diretamente às urgências é um erro. Nos problemas que surgem mais nesta altura, a maioria resolve-se em casa”, sublinha. E nos centros de saúde, mesmo não tendo análises, terão resposta adequada. “Quando há necessidade de exames ou outro tipo de observação, o médico encaminha para o hospital e as pessoas já não tornam a pagar taxa moderadora”, sublinha o médico, apontando desafios que, nesta altura do ano, vão além da saúde. “O frio deve ser uma preocupação, as pessoas devem ter o cuidado de se agasalharem antes de saírem e de aquecerem as casas, mas algumas não ligam o aquecimento por dificuldades económicas. Sabemos que as pessoas mais pobres têm mais doença”, alerta Nogueira.  

Ontem os tempos de espera continuavam elevados. O número de casos de gripe permanece baixo mas as infeções respiratórias têm estado a aumentar.

Origem
Jornal i
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