Política

Educação. Professores e governo com divórcio à vista

Jornal i

PCP e Bloco deixam Costa e Brandão Rodrigues isolados na luta contra os professores. Posição de “chantagem” do ministro nas negociações com os sindicatos para contabilizar o tempo de serviço congelado e a acusação de “intransigência” do primeiro-ministro vão custar ao PS o voto de “cerca de 80% a 90%” dos professores nas próximas eleições legislativas, ameaçam docentes

 

Foi em 2009 que José Sócrates perdeu o voto dos professores – que andavam em forte contestação contra a avaliação docente -, fugindo-lhe do horizonte a maioria absoluta para formar o seu segundo governo.

Agora, por causa do descongelamento do tempo de serviço, o mesmo cenário pode repetir-se com os professores em divórcio com o governo. “Se não houver recuperação do tempo de serviço, ou se for considerado apenas dois anos, oito meses e 18 dias, cerca de 80% a 90% dos professores de carreira vão votar fora do PS” nas próximas eleições, diz o i o prof. Paulo Guinote, autor de um dos blogues mais lidos sobre educação, que diz que o sentimento que impera nos corredores das escolas é de “injustiça”.

Também o secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE), João Dias da Silva, diz ao i que esta “é uma fonte de descontentamento generalizado que se agravou nos últimos dois dias”, lembrando que “é bom que o PS pense que não pode ganhar eleições se tiver os professores contra as políticas” que estiver a seguir.

“Há, sem dúvida, uma grande revolta” e “é evidente que manter este caminho” vai fazer com que o governo “no qual os professores depositaram expetativas” perca “a confiança” dos docentes para considerarem “que são as pessoas indicadas para governar”, remata ainda ao i o membro do secretariado nacional da Fenprof, João Louceiro.

Governo isolado E além das posições extremadas entre docentes e o executivo, também as negociações para o Orçamento do Estado para 2019 se adivinham difíceis, com o PCP e o Bloco de Esquerda a deixarem o governo sozinho contra os professores e a considerarem, em uníssono, “inaceitável” a postura do ministro da Educação. Os partidos que apoiam a solução de governo já fizeram saber que “não vão deixar cair o assunto” e vão “exigir ao governo que cumpra o que está na lei” do OE.

Recorde-se que já em novembro, a aprovação do OE2018 – que trouxe o descongelamento das carreiras para toda a função pública – esteve em risco precisamente por causa deste assunto, com o PCP a ameaçar, na altura, não votar o documento. Nessa altura, após uma maratona de negociações intensivas entre o Ministério da Educação e os sindicatos, os partidos aprovaram uma alteração à lei do Orçamento do Estado para garantir, na altura, que as negociações prosseguiam e que o tempo de serviço dos docentes seria tido em conta, ficando apenas em cima da mesa o prazo e a forma de faseamento para a contabilização deste período.

O que está em causa No centro da discórdia está a contabilização do tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira e respetivo acerto salarial. Os professores viram congelados nove anos, quatro meses e dois dias do seu trabalho – entre 31 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2007 e desde 1 de janeiro de 2011 até 31 de dezembro de 2017. E é este o período que os sindicatos exigem que seja tido em conta.

No lado oposto está o governo, apesar de ter assinado a 18 de novembro de 2017 uma declaração de compromisso com os sindicatos na qual se dispunha a considerar todo esse período de trabalho dos docentes. Nessa altura, estes estavam disponíveis para aceitar as progressões de forma faseada até 2023.

Mas em março, depois de terem feito vários cálculos, os ministérios da Educação e das Finanças vieram apresentar uma proposta para contabilizar apenas 70% desse período: dois anos, nove meses e 18 dias.

Foi esta a proposta – que os sindicatos rejeitaram, considerando-a uma “afronta” – que o ministro usou, na passada segunda-feira, para, nas palavras dos sindicatos, fazer “chantagem”: ou aceitavam ou não seria considerado qualquer período do tempo que esteve congelado. Foi desta forma que as negociações encerraram.

Por tudo isto, os próximos meses serão tensos, com várias greves à vista para as avaliações, as aulas e os exames nacionais, pondo em risco este e o próximo ano letivo. A primeira greve às avaliações já está marcada com data a partir do dia 18 de junho. Mas mais protestos serão anunciados pela plataforma de dez sindicatos, que hoje vai reunir-se.

Ministro é “inábil politicamente” Ontem, durante o debate quinzenal, o primeiro-ministro rejeitou várias vezes a ideia de que está a falhar com o prometido aos docentes. “Prometemos descongelar as carreiras e descongelámos, prometemos negociar o tempo que seria considerado e negociámos”, disse Costa a todos os partidos.

O primeiro-ministro acusou ainda os professores de “intransigência” por não aceitarem a proposta do governo para a contabilização do tempo de serviço – proposta que, diz António Costa, apresentou de “boa-fé” recusando que o governo tenha feito “chantagem” com os sindicatos. Acrescentou ainda que foi por causa do comportamento dos sindicatos que “deixou de haver margem para continuar as negociações”.

Foi “sem surpresa” que a Fenprof ouviu os argumentos do primeiro-ministro que, para o sindicato, confirmam a “inabilidade política” do ministro e revelam “uma jogada” que é a de “tentar adiar este problema de forma a que a legislatura chegue ao fim e o governo não tenha de o enfrentar”, diz ao i João Louceiro, membro do secretariado nacional da Fenprof.

Mas as palavras do primeiro–ministro não foram mal acolhidas só entre os sindicatos. Também nos corredores das escolas reinam sentimentos de “revolta” e de “injustiça”, frisa ao i Paulo Guinote. Também a FNE diz que “nos últimos dias, a disponibilidade dos professores para aderir às greves aumentou muito”.

Contas mal feitas? Outro dos argumentos usados ontem pelo primeiro-ministro foi o da falta de verbas para cumprir a medida. De acordo com as contas de António Costa, considerar sete anos do tempo de serviço congelado custaria aos cofres do Estado 600 milhões de euros por ano. “Não temos esse dinheiro”, frisou. “A medida é incompatível com as finanças públicas”, insistiu ainda o primeiro–ministro, recordando que só com o descongelamento há 50 mil docentes que vão progredir este ano, o que se traduz num custo de 90 milhões de euros. E caso fossem contabilizados os dois anos, nove meses e 18 dias da proposta do governo iriam ser necessários mais 170 milhões de euros.

Mas, de acordo com as contas apresentadas ao i por Paulo Guinote, a contabilização de todo o tempo de serviço fica “abaixo de 300 milhões de euros”. O docente, que fez as contas com base nos dados oficiais do Ministério da Educação, diz que há nos quadros 93 mil professores, dos quais, caso o tempo fosse contabilizado, apenas 85 mil iriam progredir na carreira – o que, fazendo as contas, “daria cerca de sete mil euros anuais por professor que traduziria um aumento de 600 euros mensais”. São números “ridículos” tendo em conta que os docentes que progrediram este ano viram o seu salário aumentar apenas em 10 euros mensais, frisa Paulo Guinote.

Por isso, o professor considera que os 600 milhões de euros são “brutos e inflacionados” e dizem respeito a um cenário “irreal”: seria necessário que todos os 93 mil professores progredissem para o escalão máximo.

Para o docente, estas contas espelham ainda que a opção do governo é “política”, tendo “muito pouco de falta de verbas”. Guinote salienta também que o governo receia que, ao ceder aos professores, posteriormente, outras carreiras da função pública sigam o mesmo caminho e também reclamem a contabilização do tempo de serviço para a progressão.

Também entre os partidos, o argumento da falta de verbas não colhe. “Não há volta a dar. O OE diz que todo o tempo de serviço vai ter de contar”, sendo “inaceitável” o contrário, avisou o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa. Também Heloísa Apolónia, d’Os Verdes, lembrou que os professores estavam disponíveis para negociar o faseamento dos acertos salariais. “Abra a porta a essa possibilidade”, apelou.

Além da falta de verbas, Costa justificou ontem a posição do governo com o tratamento de igualdade entre os trabalhadores do Estado, frisando que se considerasse todo o tempo de serviço estaria a adotar um tratamento de “discriminação positiva” para os docentes face aos trabalhadores da administração central.

Sobre este argumento, João Louceiro, da Fenprof, diz que o primeiro-ministro “não é sério”, porque assim “discrimina os professores em relação às carreiras gerais da administração pública, que vão ver todo o seu tempo de serviço considerado”.

Origem
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