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A queixa dos vizinhos de Robles

A família do prédio das traseiras, histórico, apresentou queixa contra as obras de Ricardo Robles em Alfama. Câmara respondeu negativamente, defendendo a requalificação. Zona é histórica e muito sensível.

O quarteirão de Alfama de que se fala esta semana, que vai do Largo do Chafariz de dentro ao Beco dos Cortumes, terminando no Largo das Alcaçarias tem muita história. E, como acontece por todo o bairro, quando há uma nova construção, há sempre intervenções que acabam por interferir nos prédios adjacentes. Até por causa da malha apertada destas casas muitas delas com mais de 500 anos, e algumas com a idade de Lisboa cristã.

É o caso da casa que motivou a queixa contra as obras que o agora ex-vereador do Bloco de Esquerda na Câmara de Lisboa, Ricardo Robles, fez no prédio que provocou polémica . A queixa a que o DN teve acesso foi feita pelos donos do edifício das Alcaçarias do Mosteiro, contíguo, pelas traseiras, com o prédio de Robles – do qual está separado pela Muralha Fernandina e um saguão com um poço centenário que é testemunha do tempo em que o bairro era marcado pela água.

Os donos do prédio queixaram-se que o levantamento de mais um andar completo, a construção de chaminés, o telhado de duas águas – em vez de uma, como era o original – e a construção sobre a Muralha Fernandina prejudicavam a sua propriedade. Houve reuniões com o então deputado municipal – Ricardo Robles apareceu sempre sozinho e se apresentou como o “dono” do projeto – que não deram em nada. Seguiu-se uma queixa à Câmara com pedido de embargo das obras, suspensão dos trabalhos e a reapreciação da decisão que dera origem ao alvará das obras de ampliação do edifício.

Mas as obras acabaram por não ser embargadas e a CML deu razão a Ricardo Robles – que era então deputado municipal pelo Bloco de Esquerda. A resposta da direção municipal de urbanismo chegou em cinco páginas (frente e verso) e, quase ponto por ponto, os técnicos tentam “desmontar” os argumentos apresentados na reclamação. Segundo a Câmara, apesar das queixas, as obras de reabilitação cumpriram o Plano de Urbanização do Núcleo Histórico de Alfama e Colina do Castelo, e foram, por isso, autorizadas pelos serviços da Câmara Municipal de Lisboa e pela Direção-Geral do Património Cultural.

O andar a mais foi construído, o telhado alterado e o prédio das Alcaçarias do Mosteiro – histórico, datado do século XII, que servia de banhos do Mosteiro de Alcobaça – ficou mais às escuras e sem vista para a Rua do Terreiro do Trigo e para o Tejo, como tinha, através de um pequeno terraço. E, segundo os proprietários, sem respiração de ar no logradouro centenário, nem no armazém do rés-do-chão, tendo ainda o perigo de cheia, uma vez que o telhado que o edifício de Robles passou a escorrer a água da chuva diretamente para o logradouro – que fica à quota do Tejo.

Os proprietários não recorreram da decisão – o DN sabe que consideravam que o processo iria ser longo.

Os proprietários não recorreram da decisão – o DN sabe que consideravam que o processo iria ser longo, apesar de os próprios não terem prestado declarações. A carta da Direção Municipal de Urbanismo onde é comunicado que não tinha sido detetado “nenhum incumprimento” tem a data de 22 de setembro de 2017, mais de um ano depois da entrega da queixa: 15 de julho de 2016.

No entanto, é a própria CML a referir que não conhecia todos os dados de alguns dos nove pontos da queixa. Nomeadamente, não conhecia a existência de um pequeno saguão nas traseiras, para onde dão as janelas do edifício histórico e que dista apenas 2,30 metros do edifício de Robles. Segundo a queixa, Robles teria escrito no projeto que os edifícios à volta eram pertença da CML, o que não é verdade.

Além disso, o documento faz referência ao acompanhamento por parte da Direção-geral do Património Cultural aos trabalhos de reabilitação do prédio, referindo um mail que não anexa. Este é um ponto importante, pois tratando-se de um edifício histórico, e estando em cima da muralha fernandina “deviam ser previstos trabalhos arqueológicos anteriores”. Não foram, mas, apesar disso, a autorização para as obras foi dada, “condicionada” ao acompanhamento. O que foi feito, segundo o documento, sem levantar “questões quanto ao desrespeito pela sua integridade material e patrimonial”.

No documento, aprovado pelo diretor municipal Jorge Catarino Tavares é explicado que a DGPC tinha aprovado o projeto por este promover a “reabilitação funcional do imóvel, incluindo uma ampliação, devidamente enquadrada na frente de rua, de elevada importância no contexto de bens imóveis classificados”. No entanto, considerou “insuficiente o projeto [de execução da obra] per si devido à sensibilidade patrimonial do local a intervencionar, remetendo para um controlo ulterior a desenvolver-se a partir de relatório arqueológico”.

Na contestação à questão do andar que foi reconstruído, é referida na resposta da Câmara que a ampliação em altura está prevista no Plano de Urbanização do Núcleo Histórico de Alfama e Colina do Castelo e que o dono da obra aproveitou um espaço já existente – o sotão – e sem condições de habitabilidade, e o transformou num piso “amansardado, com um pé direito regulamentar e condições de iluminação e ventilação adequadas aos atuais padrões de exigência” – esta questão, da mansarda, tem sido muito polémica entre os puristas que consideram que a tradição de Lisboa manda construir aguas furtadas e não esta versão, “afrancesada”.

A CML não dá resposta sobre as águas que passaram a cair no logradouro, nem sobre as novas chaminés.

Em relação às chaminés, a autarquia remete para a responsabilidade dos técnicos do projeto de arquitetura e os de especialidade, mas frisa que há “ambiguidades, ou omissão, na representação nos desenhos, que corresponde a factos desenvolvidos na reclamação”. Embora, tenham sido fiscalizadas pela Divisão de Uniformização e Fiscalização Urbanística e a DGPC não tendo sido “detetados quaisquer incumprimentos”. Por isso o documento foi colocado à consideração do diretor municipal que o aprovou.

A CML também não dá respostas quanto às consequências da mudança do escoamento das águas no telhado – para fora da muralha e, agora, para dentro da muralha e do saguão, em baixo.

PSD quer ver queixas

Esta queixa é um dos exemplos de documentos que os vereadores do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa querem ver para verificar todo o processo de licenciamento das obras de reabilitação do edifício que o agora ex-vereador do Bloco de Esquerda comprou, em Alfama, por 347 mil euros, num leilão do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. As obras terão custado mais 640 mil euros.

Toda a polémica acabaria por motivar a demissão de Robles, nesta segunda-feira. O requerimento do PSD para ter acesso a todo o processo foi entregue esta segunda-feira, como disse ao DN Paulo Ribeiro (presidente da concelhia do partido), e tem como objetivo a análise da forma como decorreu o licenciamento e se houve queixas por parte de “terceiros” quanto às obras como frisou o dirigente partidário.

Origem
DN
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